Lembro-me, com muita saudade, dos belos tempos em que meu “velho” pai, Antonio de Almeida, ferroviário da “velha guarda”, que enfrentava inúmeros problemas de saúde – mas, nem por isso deixava de ser bem humorado – nos finais de tarde, juntava alguns dos seus filhos (todos garotos) e começava a “contar causos”. Entre um e outro cigarro que fumava (FULGOR, não me esqueço a marca) vinha lá uma história. Uma mais interessante do que a outra.
Um belo dia eu lhe fiz uma indagação cuja resposta, não esperava, seria tão profunda: “Pai, como o senhor (naquela época chamar de senhor era mais que obrigação) consegue contar tantos “causos” assim? De maneira ponderada, como sempre, ele me respondeu.
“Filho, a vida ensina de tudo “pra” gente; coisas boas, ruins, interessantes e aquelas que influenciam nossa maneira de viver. Num determinado momento tudo se transforma em aprendizado que deve ser repassado adiante”. Não contente com a resposta, ele ainda deixou escapar uma frase muito linda que até hoje me recordo com carinho: “filho, sabe de uma coisa, SÓ CONTA “CAUSO”, QUEM TEM “CAUSO” “PRA” CONTAR”! Confesso que jamais me esqueci desses sábios e singelos dizeres.
Depois daquele dia passei a admirar as pessoas (jornalistas, humoristas, etc) que ostentam a aptidão na arte de contar “causos”. Infelizmente, não é qualquer pessoa que tem o dom de contador de histórias.
Pois bem, caro leitor, dias atrás, recebi de um amigo, integrante de um grupo de internautas, um texto muito bem elaborado (um “causo” bastante verdadeiro), publicado num jornal de Brasília e assinado pelo renomado jornalista da Rede Globo de Televisão, Alexandre Garcia, que me fez voltar ao passado.
Como gosto muito de compartilhar “coisas boas” com os que têm fundamental importância nesta minha estada por este mundinho encantador (meus caros leitores), ainda que repleto de hipocrisia, tomo a liberdade de utilizar o meu espaço nesta coluna para transcrevê-lo aos meus seguidores semanais. Vamos ao assunto.
QUARENTA ANOS
Meu amigo Sérgio lembra que em 1971, de traquinagem quebrou o farol de um carro estacionado perto da casa dele. O pai soube; deu-lhe uma surra de cinta e o traquina nunca mais fez aquilo. Entrou para a faculdade e hoje é um profissional de sucesso. Em 2011 seu filho fez o mesmo, Sérgio reprisou a surra que levara, mas seu filho o denunciou e ele foi condenado à prestação de serviços comunitários. O filho caiu na droga e hoje está num abrigo para menores. Em 1971, o coleguinha mais moço de Sérgio sofreu uma queda no recreio, a professora deu-lhe um abraço e o menino voltou a brincar. Em 2011, outro menino esfolou-se no pátio da mesma escola, a diretora foi acusada de não cuidar das crianças, saiu na TV e ela renunciou ao magistério e hoje está internada, em depressão.
Em 1971, quando os coleguinhas de Sérgio faziam bagunça na aula levavam um pito do professor, eram levados à direção e ainda sofriam castigo em casa. E todos se formavam prontos para a vida. Em 2011, a bagunça em sala de aula faz o professor repreendê-los, mas depois pediu desculpas, porque os pais foram se queixar de maus-tratos à direção. Hoje fazem bagunça no trânsito e no cinema, incomodando os outros. Em 1971, nas férias, todos saíam felizes, enfiados num fusca. Depois das férias, todos voltavam a estudar e a trabalhar mais. Em 2011, a família vai a Miami, volta deprimida e precisa de 15 dias para voltar à normalidade na escola e no trabalho.
Em 1971, quando alguém da família de Sérgio adoecia, ia ao INPS, esperava duas horas, era atendido, tomava o remédio e ficava bom. Saía a correr, pedalar, subir em árvores de novo. Em 2011, os parentes de Sérgio pagam uma fortuna em planos de saúde, fazem exames de toda sorte à procura de câncer de pele, pressão nos olhos, placas nas artérias, glicose, colesterol, mas o que tem é distensão muscular por causa de exageros na academia. Em 1971, o tio preguiçoso de Sérgio foi flagrado fazendo cera no trabalho. Levou uma reprimenda do chefe na frente de todos e nunca mais relaxou. Em 2011, o cunhado do Sérgio foi flagrado jogando xadrez no computador da empresa, o chefe não gostou e o puniu. O chefe foi acusado de assédio moral, processado, a empresa multada, o cunhado relapso foi indenizado e o chefe demitido.
Em 1971, o irmão mais velho de Sérgio deu uma cantada na colega loira de trabalho. Ela reclamou, fez charminho e aceitou um jantar. Hoje estão casados. Em 2011, um primo de Sérgio elogiou as pernas da colega de escritório, foi acusado de assédio sexual, demitido e teve que pagar indenização à mulher das belas pernas, que acabou no psiquiatra. Meu amigo Sérgio me pergunta o que deu em nós nesses 40 anos, para nos tornarmos tão idiotas, jogando fora a vida como ela é. Dei a resposta: é a ditadura da hipocrisia imbecil do politicamente correto.
É, minha gente, infelizmente os tempos mudaram para pior. Quem atentou para o conteúdo deste “causo”, principalmente aqueles que vivenciaram o modo de educar os filhos naquela época, com certeza, bateu muitas palmas para esse “brasiliano” respeitado, um dos jornalistas mais antigos da TV “Plim Plim” e um brasileiro que soube mostrar, com um simples texto, a terrível ditadura da hipocrisia imbecil do POLITICAMENTE CORRETO que reina, entre nós, nos dias atuais. Coisas dessa modernidade galopante, de um estado que edita leis estúpidas e não as fiscaliza, de políticos falsos, corruptos e safados que enojam a população brasileira! Parabéns pelo artigo mestre Alexandre Garcia.
E para finalizar, como é costumeiro, utilizo-me deste espaço onde conto os meus “causos” semanalmente para abraçar, em forma de homenagem póstuma duas ilustres figuras da minha preciosa galeria de amigos que nos deixaram nos últimos dias para irem ao encontro do nosso PAI: o grande mestre da cirurgia brasileira Professor Doutor José Guilherme, falecido no domingo que passou e a sempre voluntária senhora Marta Pereira, a eterna mãe da pobreza do Distrito de Rubião Junior, na última terça-feira. Esta senhora, apesar de toda a miséria que norteava a sua humilde “residência” era mais uma componente do nosso grupo de amigos.
Tenho absoluta certeza que o Todo Poderoso os recebeu com todo carinho que os bons filhos sempre fazem por merecer e, também não tenho dúvidas de que ELE confortará todos os familiares e amigos dessas duas preciosidades que, lamentavelmente, deixaram um vazio enorme por aqui. Até um dia queridos e já saudosos amigos.
Deixando as tristezas de lado, até porque (como diz o jornalista Chico Pinheiro) a vida segue, abraço carinhosamente um dos maiores sambistas da nossa querida Botucatu que, no último dia 24 completou 74 anos de uma vida maravilhosa, muito bem vivida: meu amigo Nelson Carneiro, o sempre alegre e carismático “Pé de Rodo”. Parabéns grande companheiro!
Rubens de Almeida – Alemão
alemã[email protected]
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